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Writer's pictureC. A. Ayres

Crise de meia-idade que dura a vida inteira

Updated: Mar 26, 2019



Quando eu era bem pequena - sim, já fui pequena para os que duvidam - quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescer, eu dizia bailarina ou pianista. Cresci um pouco mais e queria ser astronauta. Depois chef. Depois maestra. Depois cineasta. Depois guia de turismo. Depois jornalista. Depois psicanalista. Interessante que, independente de todas essas e outras, eu sempre quis ser escritora. Também tive uma época que a única coisa que queria era ser mãe. Algo que os médicos me diziam que eu não poderia. O mais engraçado é que muitas pessoas me disseram que eu não podia ser nada do que eu queria ser. Ou porque precisaria investir um monte de dinheiro e não o tínhamos. Tive que parar o curso de balé depois de 7 anos porque não tínhamos dinheiro. Tive que parar o curso de piano porque não tínhamos dinheiro. Tive que desistir de ser astronauta porque teria que mudar em outro estado ou país, e não tínhamos dinheiro. Então decidi que ia ser chef. E fui estudar para conhecer tudo o que podia sobre alimentos e a indústria alimentícia. Encontrei emprego na área e me especializei. E ainda me aventurei no teatro. Fiz a vilã, a mocinha, a sofredora, a drama queen, a diretora, a heroína e ainda escrevi algumas peças mais consertando os scripts dos filmes que amei e dirigindo gente talentosa que aparecia. Só não fui cineasta porque não tinha dinheiro. Mas como todos os resultados dos meus testes vocacionais davam resultados iguais em todas as áreas - segundo os professores e especialistas aplicantes, algo inédito - fui fazer jornalismo. Depois de muitas greves na universidade e um professor que dizia que "Tudo vale, e ninguém precisa saber como você conseguiu tal informação (...) jornalista no Brasil vai ser famoso se tiver Q.I. (quem indica) dentro da empresa" e etc... eu deixei ele falando sozinho e resolvi não dar ouvidos aos críticos. Comecei a trabalhar num jornal que me abriu algumas portas e senti o gosto do jornalismo de cidade pequena e peguei gosto na coisa, mas foi um dos poucos empregos que tive na área. Na verdade editava todas as colunas e escrevia outras mais. Até a seção de horóscopos como a "maga" falhava em enviar as previsões, pensava em algumas pessoas e escrevia a coluna do dia para elas... não, não era somente piada! Eu pesquisava bastante a respeito, embora não acreditasse nem por decreto que aquilo funcionasse. Depois de aprender tudo sobre jornalismo, escrita, edição, publicações e quando já estava bastante familiarizada na área, fui me aventurar na Psicologia e na Psicanálise. Amava! Amava tudo. Ao buscar tudo, fiquei muitas vezes sem nada. Eu me aprofundava demais, com paixão, nos estudos até me provar e superar. Nessa busca louca, alguns tentaram cortar minhas asas, me jogando no poço e pisando na minha cabeça para subirem sem competição. Também passei em primeiro lugar em alguns vestibulares nessa jornada e consegui algumas bolsas de estudo e a admiração de alguns professores. E trabalhei como administradora. Aprendi a ser maestra e regi um coral de 450 vozes numa conferência com 10 mil pessoas. Viajei, fui guia de turismo de parentes que vieram me visitar quando mudei de país. Psicanalisei e fui psicanalisada. Voltei a escrever, a fotografar - já que não podia viajar tanto. Mas sempre escrevi em meio a tudo isso. Engraçado que até hoje eu gosto de dança e música clássica principalmente, e se não a tiver, muita coisa não sai no papel. Algumas dessas coisas eu realizei sem dinheiro algum, muitas vezes, como se diz por aí, vendendo o almoço para comprar o jantar. Houveram pessoas que enterraram alguns de meus sonhos. Outras roubaram e destruíram muitos outros. Aí cheguei ao ponto que cansei de ser vítima. Não quero dar o braço a torcer. Dinheiro nunca houve, nem aqui nem acolá. Mas a paixão, embora abafada e afogada muitas vezes... Ah! Essa permanece. Um dia eu mudarei o resto da história. Nem que seja quando me livrar deste corpo. Não é crise de meia idade. É uma crise que dura a vida inteira. O mais difícil é se definir pelo que se faz. O que eu sou é tão melhor que tudo isso. Os títulos dessa vida não valem de nada se não tivermos aquele valor intrínseco que nos conecta à centelha da divindade. Por isso, nada de se deixar desanimar porque algumas das vontades, ou mesmo sonhos, não se realizam. Somos tão mais do que a sociedade nos permite, os rótulos que nos são colocados. Alguns ainda pisam na minha cabeça todos os dias, jogando terra para me enterrar de vez, e ganhando os louros que eram para ser meus. Mais um dia me livro de tudo isso. Com ou sem dinheiro. Um dia...


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